Pontos de vista à moda antiga
As histórias são o que são,
por isso, eu vou dar o meu melhor para vos contar uma, que achava que não era
possível acontecer. Mas que nos pode chamar à atenção, para algumas formas de
estar quanto à justiça e àquilo que reivindicámos.
Numa conversa de café… não,
neste caso, foi de um snack-bar. Estava à mesa, depois de um almoço de trabalho,
e que devia ser rápido e de poucas bebidas, mas que acabou por ser bem regado.
Já a tomar o café e o
respetivo digestivo, que na altura não sabia se iria repetir.
Iniciei uma cavaqueira com um dos
clientes da mesa ao lado, que também tinha acabado de almoçar, e tal como eu
estava com o copo do digestivo na mão.
Um indivíduo que estava com
ele à mesa a comer interrompeu-nos pela simples razão de dar continuidade a uma
conversa anterior. Era uma história inacreditável que ele rematou assim:
– Podem crer, o que estou a
dizer é a mais pura das verdades – e, para justificar o que disse, continuou:
– Fiquem a saber, o processo
deu mesmo entrada no tribunal, e houve julgamento.
– Peço desculpa, mas isso não faz
o menor sentido, o responsável pela galinha é a senhora, e se o carro tivesse
danos era ela que tinha de indemnizar o dono – disse eu.
Ao que o sujeito se dispôs a
contar tudo o que sabia. Claro que tínhamos iniciado o segundo digestivo e, por
isso, a arte de bem contar ficava mais fácil. Contudo, mesmo assim, foi
dizendo:
– Só lhes posso dizer o que
sei e contei a história como a recebi – disse num tom muito mais baixo do que
aquele com que a tinha relatado, talvez para afirmar a verdade do que tinha
contado.
Depois disto tudo. Agora é a
minha vez de eu vos relatar a história exatamente como a ouvi.
Há uns tempos, numa tarde de
primavera, já bem quentinha, embora ainda não desse para aquela coisa de fazer
uma pequena sesta.
Um senhor, já com alguma idade,
saiu com o seu 2 (dois) cavalos, que ele considerava o seu carrinho. Era a
altura ideal para tirar o "deux
chevaux" da garagem, e ir tirar o carvão ao carburador, como dizem os
aceleras.
Rolava já a bom ritmo, sempre
dentro dos limites, e cumprindo as leis do código da estrada. Estava a atravessar
uma aldeia que ele bem conhecia e seguia numa velocidade muito mais baixa do
que era permitido naquela rua. Como sempre com muitos cuidados, pois era assim
a sua forma de conduzir. Utilizava a forma chamada de "condução
defensiva".
Como um raio, vinda ninguém
sabe donde, uma galinha atravessou-se no seu caminho, que mesmo depois de uma
manobra brusca e instintiva o senhor do 2 (dois) cavalos não conseguiu evitar o
atropelamento da bicha, que colidiu com uma das rodas traseiras do 2 (dois)
cavalos.
Quando parou e foi ver o que
se tinha passado, ainda ouviu um pequeno cacarejar, mas rapidamente se fez silêncio.
Tudo isto não passaria de um
pequeno incidente, com um desfecho trágico apenas para a galinha, não fosse a
atitude da proprietária da galinha. Sendo ela a responsável pela segurança da
galinha, o que se passou a seguir não fez sentido.
A proprietária da bicha, para
além de ser rica, era o que podemos chamar de uma pessoa conflituosa, a qual
dificilmente aceitava as coisas que não a favoreciam.
Ali mesmo na hora, e perante o
senhor do 2 (dois) cavalos, reclamou o pagamento da galinha e de uma indemnização,
ao que o senhor respondeu que a responsabilidade era dela, pois devia ter
protegido a galinha.
A tal senhora, nesse mesmo dia,
perto do fim da tarde, marcou uma reunião com o seu advogado, e contra tudo o
que foi aconselhada por ele, de nada quis saber, e mandou-lhe pôr uma ação, não
só pelo valor da galinha, mas também por ovos que ela viria a pôr e, claro,
também pelos futuros pintos que teria ao longo da sua vida.
Tudo isto era um pouco
ridículo para o advogado, mas o cliente era rei e senhor das suas atitudes, por
isso, tratou de mover a ação.
O proprietário do 2 (dois)
cavalos foi intimado, pelo que contratou também ele um advogado.
No dia do julgamento, lá
estava o senhor do 2 (dois) cavalos, e a dona da galinha, que mesmo nos
corredores do tribunal continuava a barafustar.
Foram chamados para a sala de
audiências, mas o advogado do senhor do 2 (dois) cavalos não respondeu à
chamada de imediato. Passados uns segundos, entrou de rompante na sala e foi todo
desenfreado para o seu lugar.
O juiz reparou na atitude, mas
não disse nada. O advogado da senhora emproada expôs todos os argumentos dela e
acrescentou mais alguns, pois pensou que talvez assim pudesse ganhar um bom
dinheiro.
O juiz, virando-se para o
advogado do senhor do 2 (dois) cavalos, disse:
– É a sua vez de expor as suas
razões, mas suspeito que não estarão muito bem estudadas, a avaliar pela sua
entrada neste tribunal.
O advogado imediatamente
respondeu:
– Pois
não, Senhor Dr. Juiz, é que estive a cozer castanhas para depois semear. Daqui
a uns tempos, vou ter castanheiros e muitas castanhas.
Todas as pessoas que estavam naquela sala de tribunal olharam umas
para as outras e libertaram uma sonora gargalhada:
– Ah! ah! ah!
O juiz, também abismado com
aquela intervenção do advogado, e com muita vontade de rir, pronunciou:
– Percebi a mensagem. O seu
constituinte fica ilibado de tudo. A queixosa vai ter de pagar as custas do
processo.
Fim